Picture of Hélio Liborio
Hélio Liborio

São João de Alagoinhas no Carneirão: inovação ou imprudência?

Com a chegada de junho, o Nordeste se transforma em palco de uma das manifestações culturais mais vibrantes do Brasil: o São João. Em Alagoinhas, a festa ganha contornos diferentes em 2025. A administração municipal inovou ao deslocar a principal estrutura festiva para dentro do Estádio Antônio Carneiro, conhecido popularmente como Carneirão. A decisão, embora elogiada por parte da população, suscita questões quanto à segurança, à preservação do patrimônio público e à adequação do espaço.


A tradição junina e os novos espaços

As festas juninas têm identidade própria no Nordeste. São celebrações marcadas por forró, comidas típicas, arraiais lotados e um calendário que movimenta a economia regional. Alagoinhas, inserida nesse contexto cultural, sempre se destacou pela variedade de atrações e pela proximidade com outras cidades que também promovem grandes festejos. Em menos de duas horas, um morador pode se deslocar entre municípios como Aramari, Inhambupe e Entre Rios, todos com programações intensas.

Neste cenário, a decisão de levar o São João para o Carneirão é, no mínimo, ousada. Tradicionalmente, estádios são usados para atividades esportivas, com gramado preservado e estrutura pensada para jogos de futebol. Transformá-lo em palco de shows, barracas e grande circulação de pessoas exige planejamento técnico cuidadoso. A medida pode até representar praticidade logística, centralização e segurança. Mas também carrega riscos implícitos.

O impacto sobre o gramado e a capacidade de ventilação do espaço, por exemplo, são questões práticas ignoradas na empolgação com o evento. Há receio de que a cobertura total e o abafamento natural da estrutura prejudiquem a integridade do campo, cuja manutenção envolve recursos públicos consideráveis. Em nome da festa, pode-se estar comprometendo o esporte.


Estrutura: beleza aparente e dúvidas técnicas

Em visita realizada nesta quarta-feira, 18 de junho, a reportagem do Linhas de Fato observou o avanço das obras e o aspecto visual da estrutura instalada no estádio. Aparentemente, tudo está organizado: palcos montados, áreas de circulação delimitadas e espaços cenográficos decorados com elementos típicos da cultura junina. Do ponto de vista estético, o ambiente convida à celebração.

Contudo, a percepção de segurança e durabilidade ainda levanta questionamentos. Tapumes foram instalados sobre o gramado com espessura visivelmente fina, o que pode se tornar um problema diante da movimentação intensa de público. Mulheres de salto alto, por exemplo, podem encontrar dificuldade para se locomover com segurança sobre uma base pouco resistente.

Além disso, a ausência de ventilação adequada por conta da cobertura completa do gramado pode provocar superaquecimento do local e, em casos extremos, deterioração do campo. Tais detalhes técnicos não foram amplamente divulgados, o que reforça a impressão de que a estética prevaleceu sobre os critérios técnicos — um risco desnecessário quando se trata de estruturas temporárias e multidões.

Repercussão entre a população

A novidade divide opiniões nas ruas. Há quem celebre a iniciativa do prefeito, vista como uma tentativa de dar visibilidade à cidade e concentrar as festividades em um espaço de fácil acesso e controle. Nas redes sociais, apoiadores da gestão destacam que o São João precisa ser grandioso e que o estádio representa justamente isso: uma arena para grandes eventos.

Por outro lado, moradores e frequentadores do Carneirão expressam preocupação com os danos que a festa pode causar ao espaço esportivo. O campo é utilizado por times locais e já foi palco de competições estaduais e regionais. A preservação do gramado e das arquibancadas deveria ser prioridade, segundo esses críticos. A falta de consulta pública sobre o uso do estádio para fins festivos também foi alvo de queixas.

Outro ponto destacado por parte da população diz respeito ao orçamento da festa. Em tempos de restrição fiscal e demandas sociais urgentes, a dimensão financeira do evento levanta suspeitas. Para muitos, não é que falte dinheiro — é que falta prioridade. A festa está sendo feita com requinte, mas a cidade ainda convive com carências básicas em saúde, mobilidade e educação.


Festa e política: um casamento oportuno

A festa de São João, além de seu caráter cultural, é também espaço político por excelência. Palanques se transformam em vitrines eleitorais, e gestores costumam aproveitar o evento para reforçar imagem, prometer obras e firmar alianças. O uso do Carneirão como palco junino, nesse sentido, pode ser lido como um movimento estratégico da atual gestão.

O prefeito, apelidado popularmente de “chama que ele chega”, tem se notabilizado por seu envolvimento direto com eventos festivos, criando uma marca pessoal associada à alegria, à proximidade e à celebração. Em ano pré-eleitoral, a realização do São João em grande escala fortalece seu capital simbólico — mesmo diante de críticas quanto à execução técnica ou à legalidade do uso do espaço.

No entanto, é preciso cautela para que o uso da cultura popular como instrumento político não escorregue para o oportunismo. A festa é do povo, e o recurso é público. O limite entre promover a cultura e explorar politicamente a tradição é tênue — e precisa ser tratado com responsabilidade institucional.


O São João que o povo merece

Apesar das controvérsias, a expectativa em torno da festa é positiva. Alagoinhas se prepara para receber milhares de pessoas em seu circuito oficial, com artistas renomados e valorização da música regional. Barracas com comidas típicas, concursos de quadrilhas, exposição de artesanato e programação infantil compõem o cardápio cultural que mobiliza toda a cadeia produtiva do setor.

Comércio, hotelaria e transporte local já sentem os efeitos do aumento no fluxo de visitantes. A economia criativa se fortalece com os festejos juninos, e a cidade se torna vitrine do potencial cultural e turístico do interior baiano. Neste contexto, o São João ultrapassa a fronteira do entretenimento e passa a ser ferramenta de desenvolvimento regional.

O desafio está em equilibrar entusiasmo com planejamento, tradição com inovação, festa com responsabilidade pública. O que se espera é que o São João de Alagoinhas, no Carneirão ou onde for, seja uma celebração da cultura sem deixar de lado o zelo pelo patrimônio e pelo dinheiro público.


O São João de Alagoinhas promete brilho e forró no gramado do Carneirão, mas também exige atenção aos limites entre ousadia e imprudência. A festa começa com a sanfona afinada e os olhos atentos — afinal, por trás de toda estrutura há uma cidade que dança, sim, mas também pensa, observa e cobra.