
Quem viu, viu. Quem ouviu, talvez tenha sentido o cheiro da fumaça que escapa entre as palavras caladas. A audiência no Supremo Tribunal Federal, marcada para esclarecer, revelou muito mais nos intervalos do que nas declarações oficiais.
O ministro Alexandre de Moraes, conhecido por sua rigidez, enfrentou o ex-ministro Aldo Rebelo, conhecido por sua eloquência. Em jogo, a narrativa de um possível golpe, o valor da palavra e o fio delicado que separa autoridade de autoritarismo. Quando Rebelo ousou interpretar o que se dizia como força de expressão, foi silenciado com ameaça de prisão. O gesto, embora legalmente possível, politicamente ecoa com um peso que a toga, por si, não pode carregar sozinha.
Não é de hoje que Moraes transforma a cadeira de juiz em púlpito da ordem. Também não é de hoje que Aldo se movimenta com flexibilidade entre campos políticos, talvez mais por cálculo do que por convicção. O embate entre os dois é simbólico: de um lado, a força institucional que não admite nuances; de outro, a velha política que tenta sobreviver entre os escombros do discurso militar e os resíduos da esquerda. Nessa colisão, quem perde é o cidadão comum, que assiste atônito a um teatro onde os bastidores falam mais do que o roteiro.
No Brasil de hoje, todo verbo é suspeito, e toda pausa, uma acusação velada. A simples tentativa de distinguir o literal do figurado já levanta desconfiança. Quando a justiça exige obediência absoluta e recusa qualquer interpretação que não a sua, há o risco de transformar o tribunal em trincheira. Rebelo não é santo nem símbolo de resistência democrática — já se alinhou ao poder sempre que lhe convinha. Mas, naquela sala, ao reivindicar o direito de interpretar, lembrou que o Estado de Direito também vive de palavras e do modo como escolhemos ouvi-las.
Se a ameaça de prisão silenciou Rebelo por alguns instantes, ela ressoou alto no país inteiro. O que foi dito não será esquecido — não pelas palavras, mas pelo tom. O STF, como guardião da Constituição, não pode se parecer com quem a desafia. Já tivemos tempo demais de homens que gritavam em nome da ordem. Precisamos, urgentemente, reaprender a escutar.
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