Picture of Hélio Liborio
Hélio Liborio

Pitaco

O IOF como Sintoma de uma Governança em Tensão

Português

A disputa em torno do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que culminou no recurso do Executivo ao Supremo Tribunal Federal (STF) após a derrubada dos decretos pelo Congresso, é mais do que um mero embate fiscal; é um sintoma eloquente de uma governança em tensão, onde a busca por soluções financeiras rápidas parece, por vezes, sobrepor-se à complexidade da construção de consensos políticos. A medida inicial do governo, de elevar o IOF por decreto, já sinalizava uma estratégia que priorizava a celeridade arrecadatória em detrimento do debate democrático e da articulação parlamentar, um atalho que raramente se mostra eficaz em um sistema de pesos e contrapesos.
A reação contundente do Congresso, ao reverter os decretos, não foi apenas uma manifestação de poder; foi um lembrete incisivo da autonomia legislativa em matéria tributária e da necessidade de que quaisquer aumentos de carga fiscal passem pelo crivo do debate e da aprovação parlamentar. A insistência do Executivo em judicializar a questão, embora legítima do ponto de vista legal, revela uma persistência em impor uma visão que encontrou resistências robustas. Tal postura, ao invés de buscar a conciliação, aprofunda as fissuras e dificulta a construção de uma base de apoio sólida para a agenda econômica do país, que demanda estabilidade e previsibilidade.
A fala do presidente, que justifica a judicialização sob o argumento de que “se eu não for ao STF, não governo”, embora compreensível em um momento de frustração, expõe a fragilidade das relações entre os poderes e a dificuldade em construir a governabilidade pela via do diálogo e da negociação. A judicialização de questões inerentemente políticas sobrecarrega o STF e, mais importante, empurra para o Judiciário a responsabilidade de arbitrar disputas que deveriam ser resolvidas no campo da política. Essa dinâmica, se não for revista, pode criar um precedente perigoso, onde o confronto se torna a regra e o acordo, a exceção, comprometendo a estabilidade institucional e a capacidade do país de avançar em pautas cruciais.
A crise do IOF é um espelho das dificuldades enfrentadas pela gestão pública em um contexto de fragmentação política e de anseios por soluções urgentes. Ela clama por uma revisão das estratégias de articulação política e por um reconhecimento da indispensabilidade do Legislativo como parceiro na construção de uma agenda de desenvolvimento. Que esse episódio sirva de lição para que as próximas iniciativas fiscais e econômicas sejam pautadas pela transparência, pelo diálogo e pelo respeito às prerrogativas de cada poder, garantindo que o caminho para o equilíbrio fiscal seja pavimentado pela harmonia institucional e não pelo embate contínuo.
________________________________________
Os Desafios da Governança em Cenário de Polarização
A crise deflagrada pela questão do IOF e sua judicialização no STF evidenciam os desafios inerentes à governança em um cenário de polarização e fragmentação política. A capacidade de um governo de implementar sua agenda econômica e fiscal depende crucialmente da construção de alianças e do diálogo constante com o Congresso Nacional. Quando essa comunicação falha, e as divergências se aprofundam, a tendência é que as pautas sejam travadas ou que a judicialização se torne uma saída, com os riscos inerentes que isso representa para a estabilidade institucional.
A busca por soluções para os desafios fiscais do Brasil exige mais do que medidas pontuais de arrecadação; requer um plano abrangente e um esforço conjunto dos poderes. A dependência excessiva de decretos para implementar alterações tributárias, sem o devido convencimento e aprovação legislativa, demonstra uma fragilidade na base de apoio e uma subestimação da capacidade de reação do Parlamento. O resultado é um ambiente de incerteza que prejudica não apenas o planejamento governamental, mas também a confiança dos agentes econômicos e a previsibilidade necessária para investimentos.
O episódio do IOF, portanto, deve servir como um catalisador para uma reflexão mais profunda sobre a necessidade de aprimorar a articulação política e de priorizar o diálogo em todas as etapas da formulação e implementação das políticas públicas. A harmonia entre os poderes é um pilar fundamental da democracia, e sua manutenção depende do respeito às prerrogativas de cada um e da disposição mútua para encontrar caminhos de consenso. Que a crise atual se transforme em uma oportunidade para o fortalecimento do arcabouço institucional brasileiro, onde as divergências sejam superadas pela negociação e o interesse comum prevaleça sobre os embates políticos.

English