
A intervenção do ministro André Mendonça na controvérsia sobre a regulação do Ensino a Distância no Brasil expõe um dilema fundamental que perpassa a educação superior: o tenso equilíbrio entre a garantia da qualidade e a democratização do acesso. O decreto governamental, ao proibir a oferta de cursos como Medicina e Direito em modalidade 100% EaD, sem dúvida, visa elevar o padrão de formação em áreas críticas. No entanto, a forma unilateral e o caráter peremptório da medida, contestados na ADI, suscitam a questão de se a busca pela qualidade justifica a imposição de barreiras que podem resultar em exclusão educacional em massa.
Não se pode negar a complexidade inerente à formação de profissionais em áreas que demandam intenso contato prático, supervisão direta e vivência em ambientes específicos, como a saúde. A preocupação com a qualidade dos cursos a distância nessas áreas é legítima e reflete um debate global. Contudo, a mera proibição, sem uma discussão aprofundada sobre modelos híbridos, tecnologias de simulação avançadas ou a fiscalização rigorosa de polos de apoio presenciais, pode ser uma resposta simplista a um problema multifacetado. A inovação pedagógica no EaD tem avançado rapidamente, e a legislação precisa acompanhar esses progressos, não freá-los cegamente.
O cerne da crítica reside na aparente desconsideração da autonomia universitária e da ausência de um respaldo legal robusto para tamanhas restrições. Um decreto presidencial, por mais bem-intencionado que seja, não pode suplantar o papel do Legislativo na definição de políticas que impactam um direito fundamental como a educação. A concentração de poder no Ministro da Educação, nesse contexto, pode gerar arbitrariedade e falta de transparência nos critérios que balizam as proibições. O debate no STF, portanto, é uma oportunidade crucial para que se estabeleçam marcos regulatórios que, de fato, equilibrem qualidade e acesso, promovendo a democratização do ensino superior sem comprometer a excelência, e não o contrário.
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O Papel do STF e a Espera por Esclarecimentos
A decisão do ministro André Mendonça de solicitar informações ao Presidente da República e ao Ministro da Educação, concedendo um prazo de dez dias para a manifestação do governo, sublinha o papel crucial do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição. Ao acolher a ADI da ABE-EAD, o STF sinaliza que as questões levantadas sobre a constitucionalidade do decreto e seus impactos no direito à educação e na autonomia universitária são de relevância suficiente para exigirem um posicionamento formal e detalhado do Executivo. Essa etapa processual é fundamental para que o Tribunal possa analisar a fundo os argumentos de ambas as partes.
A solicitação de esclarecimentos é uma praxe processual que visa garantir o contraditório e a ampla defesa, permitindo que o governo justifique as motivações e os fundamentos jurídicos do Decreto 12.456/2025. O MEC e a Presidência terão a oportunidade de apresentar os estudos, as análises técnicas e as bases legais que, em sua visão, sustentam as restrições impostas aos cursos EaD. Essa manifestação é crucial para que o STF possa compreender o contexto da decisão governamental e ponderar os argumentos da ABE-EAD em face das justificativas apresentadas pelo Estado.
A expectativa é que a União utilize o prazo concedido para apresentar uma defesa robusta e transparente, que vá além de meras justificativas políticas e se aprofunde nos aspectos técnicos e jurídicos da regulamentação. O futuro de milhões de estudantes e de centenas de instituições de ensino superior depende, em grande parte, do resultado desse debate no STF. A decisão final do Tribunal não apenas moldará a política de EaD no Brasil, mas também estabelecerá um precedente importante sobre os limites do poder regulamentar do Executivo e a proteção dos direitos fundamentais na educação.
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