Com o São João ainda distante no calendário, mas muito próximo do coração e da estratégia política, o prefeito de Alagoinhas, Gustavo Carmo, saiu na frente: confirmou os primeiros nomes do forrobodó 2025 — Adelmário Coelho e Vitor Fernandes. Um anúncio em clima de festa que, embora soe como celebração antecipada, ressoa também como prelúdio eleitoral. Quando o palco é montado com antecedência, o que se espera é que o som chegue longe, inclusive nas urnas.
Em uma mistura calculada entre o forró pé-de-serra e o piseiro digital, a escolha dos artistas parece seguir a cartilha de quem conhece bem a sanfona da política: agradar do avô sertanejo à neta tiktoker. A batida é conhecida: festa boa, povo animado e uma boa memória na hora do voto. A pergunta é: quem dança com quem no salão da cultura e da política?
E nesse compasso, começamos a ouvir os primeiros acordes do que será não só a festa de São João, mas o ensaio geral para 2026.
O sanfoneiro da tradição — Adelmário Coelho como símbolo de raízes
Adelmário Coelho não é apenas cantor; é monumento sonoro da cultura nordestina. Sua presença no São João de Alagoinhas é, antes de tudo, uma reverência ao forró que não se dobra às modas passageiras. A sanfona, o chapéu de couro e a voz que cheira a interior compõem uma liturgia musical que, mesmo em tempos de autotune, ainda emociona.
Escolher Adelmário é apostar no afeto do povo que cresceu ouvindo seus refrões em festinhas de rua, regadas a amendoim, licor e memórias. É chamar para o palco não só um artista, mas um símbolo. Ao convocá-lo, Gustavo Carmo não apenas prestigia o forró tradicional — ele se abraça ao imaginário afetivo do povo do sertão.
Mas convenhamos: a política também sabe dançar esse baião. A escolha de Adelmário é afetuosa, mas não é inocente. É um movimento calculado no tabuleiro eleitoral, onde a nostalgia vira ativo político. Afinal, quem canta seus males espanta… e quem escala bem suas atrações, espanta rejeições.
O ritmo do momento — Vitor Fernandes e o piseiro como linguagem jovem
Vitor Fernandes chega ao cartaz como a senha para o público jovem. Representante da nova geração que faz do piseiro uma trilha sonora nacional, o cantor dialoga com uma audiência que vive no ritmo dos stories, reels e trends. Sua música é rápida, pegajosa, viral — como uma hashtag bem escolhida.
Ao incluí-lo na grade, a Prefeitura sinaliza que o São João quer ser jovem, instagramável e, sobretudo, conectado. A festa se torna palco para mais que música: é também plataforma de imagem, onde os políticos tocam sua própria “playlist” eleitoral. Gustavo Carmo, nesse caso, aperta o play para quem ainda não tem título de eleitor, mas já tem opinião.
Se Adelmário canta o passado, Vitor canta o agora. E juntos, constroem a narrativa de uma festa que pretende ser tanto museu quanto palco. Mas, cá entre nós, piseiro é bom mesmo quando pisa no chão da realidade: o jovem quer festa, mas também quer futuro. A pergunta é: entre um passo e outro, quem segura o ritmo da esperança?
Entre palco e palanque — o marketing festivo da gestão municipal
Não há novidade em prefeitos usarem festas como vitrine de gestão. Mas em Alagoinhas, o São João já não é só tradição: é estratégia. Anunciar atrações com quase dois meses de antecedência é como disparar confete antes do carnaval. O gesto é político, embalado em papel de presente cultural.
Ao garantir dois nomes de peso, a gestão busca transformar o evento em capital político. Adelmário atrai os pais, Vitor atrai os filhos, e Gustavo tenta atrair votos. A lógica é simples: onde há música, há memória — e onde há memória afetiva, há chance de gratidão na urna. O palco vira palanque, o artista vira trunfo e o público vira plateia eleitoral.
Nada contra a festa — que ela seja linda, segura e democrática. Mas a crítica mora no desequilíbrio: que a cultura não seja apenas ornamento de marketing. Que o som do povo não sirva só para abafar os silêncios da gestão. Afinal, sanfona não resolve buraco na rua, nem piseiro preenche ausência de políticas públicas.
A trilha sonora da eleição — quem toca o quê nessa partitura política?
Não é preciso ser maestro para perceber a sinfonia eleitoral por trás do arrasta-pé. Com um cenário nacional polarizado e uma Alagoinhas em ebulição política, cada passo de dança pode ser também um passo rumo às eleições 2026. E o São João, nesse enredo, é o ensaio geral.
Se em 2024 as fogueiras iluminaram sorrisos, em 2025 elas poderão iluminar intenções. Adelmário canta a permanência, Vitor canta a novidade, e Gustavo tenta reger a harmonia entre tradição e futuro. O desafio é fazer da festa um símbolo de inclusão e não apenas de propaganda. Que o milho seja servido com cuidado, e não apenas com objetivo de alimentar manchetes.
E para o povo? Fica a eterna dúvida: é festa pela festa ou festa com finalidade? É cultura incentivada ou cortina de fumaça para encobrir ausências de gestão? Entre o forró e o folclore político, a sabedoria popular já diz: “Quem canta seus males espanta, mas quem dança conforme a música pode acabar escorregando no ritmo.”
Último acorde
A confirmação de Adelmário Coelho e Vitor Fernandes para o São João de 2025 é, sem dúvida, uma combinação potente de tradição e apelo popular. Mas por trás do palco, o roteiro é mais complexo: cultura, marketing, eleição. Resta saber se, quando a última música tocar, o povo ainda estará no salão ou se perceberá que, na dança da política, muitas vezes se dança sozinho.