O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, foi o único representante do governo Lula a marcar presença na Agrishow 2025, uma das maiores feiras agrícolas do mundo, realizada em Ribeirão Preto (SP). A ausência de outros ministros, especialmente da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, evidenciou o distanciamento político entre o governo federal e setores importantes do agronegócio, tradicionalmente alinhados à oposição. O gesto de Alckmin, contudo, buscou amenizar tensões e sinalizar abertura ao diálogo.
A presença solitária de Alckmin
A participação de Alckmin na Agrishow não foi casual nem protocolar. Sua ida isolada ao evento, sem a companhia de outros ministros diretamente ligados ao setor agrícola, como Carlos Fávaro (Agricultura) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), destacou-se como uma ação estratégica para tentar manter pontes com um segmento fundamental da economia brasileira.
O agronegócio representa cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e é responsável por expressiva parcela das exportações brasileiras. O setor, entretanto, tem sido um dos principais focos de resistência ao governo Lula, especialmente devido a pautas como reforma agrária, regulação ambiental e disputas fundiárias.
Alckmin, com seu perfil moderado e histórico de bom relacionamento com produtores rurais, procurou suavizar o ambiente político da feira, reforçando o compromisso do governo com a expansão do crédito agrícola, a inovação tecnológica no campo e a defesa de interesses do setor em mercados internacionais.
O distanciamento do agronegócio com o governo Lula
O ambiente político da Agrishow evidenciou a tensão latente entre o agronegócio e o governo federal. A ausência dos ministros ligados diretamente à pasta, aliada à falta de participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi interpretada como um sinal de distanciamento e, para alguns, até mesmo de desprezo.
Desde o início do atual mandato, Lula e sua equipe enfrentam resistências no setor, acentuadas pela retórica de campanha que associou parte do agronegócio a práticas conservadoras e a uma política ambiental predatória. Ainda que o governo tenha tentado construir uma nova narrativa de sustentabilidade e modernização do campo, a desconfiança persiste.
Essa relação conflituosa compromete iniciativas importantes, como o avanço de programas de regularização fundiária, o fortalecimento da agricultura familiar e a formulação de políticas públicas de incentivo à produção sustentável. A falta de interlocução mais próxima pode dificultar ainda mais a aprovação de projetos no Congresso Nacional, onde a bancada ruralista exerce forte influência.
A estratégia de Alckmin: acenos e diplomacia
Ciente da delicadeza do momento, Alckmin adotou uma postura de respeito e pragmatismo em sua participação na feira. Durante seu discurso, evitou temas sensíveis como reforma agrária e demarcação de terras indígenas, preferindo focar na importância da inovação tecnológica para o desenvolvimento do setor.
O vice-presidente destacou os investimentos do governo em crédito agrícola, linhas especiais de financiamento para compra de maquinário e a necessidade de ampliar mercados internacionais para produtos brasileiros. Sua fala foi bem recebida pelo público, que, embora cético em relação ao governo como um todo, viu em Alckmin uma figura capaz de estabelecer diálogo.
Essa atuação diplomática reflete o papel que Alckmin vem desempenhando dentro do governo Lula: o de mediador entre diferentes interesses econômicos e políticos, buscando construir pontes onde há desconfiança e hostilidade. Sua presença na Agrishow reafirma essa função estratégica.
O silêncio dos ministros do setor
A ausência dos ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário no evento gerou críticas e especulações sobre a condução da relação do governo com o setor. Carlos Fávaro, que havia participado da Agrishow em edições anteriores, alegou questões de agenda para justificar sua não ida à feira. Já Paulo Teixeira limitou-se a manifestar apoio remoto, sem qualquer participação presencial.
Essa escolha, no entanto, reforçou a percepção de que o governo não prioriza o agronegócio em sua estratégia de articulação política. Em um momento em que a economia depende do desempenho do setor para impulsionar o crescimento do PIB, tal ausência gera desgaste desnecessário e aprofunda o fosso entre Brasília e o campo.
Além disso, a ausência física dos ministros nas maiores vitrines do setor agrícola limita a capacidade do governo de apresentar suas propostas, ouvir críticas e ajustar políticas públicas a partir do diálogo direto com os produtores rurais e seus representantes.
Reações políticas e do setor
A presença solitária de Alckmin foi interpretada de diferentes formas no meio político. Para setores mais moderados do agronegócio, foi um gesto positivo, que mostrou disposição ao diálogo. Para a ala mais radicalizada, no entanto, tratou-se de um movimento tímido e insuficiente para mudar a percepção de distanciamento do governo federal.
Dentro do Congresso Nacional, deputados e senadores ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) criticaram a ausência dos ministros setoriais e cobraram uma postura mais proativa do governo em relação ao setor. Alguns parlamentares chegaram a afirmar que a participação apenas de Alckmin foi “protocolo mínimo” para evitar um constrangimento maior.
Produtores e empresários presentes à Agrishow também manifestaram sentimentos mistos: reconhecimento pela presença do vice-presidente, mas frustração pela ausência de uma delegação governamental mais robusta, que demonstrasse compromisso real com os desafios e anseios do agronegócio brasileiro.
Perspectivas para a relação governo-agro
A participação de Alckmin, ainda que solitária, pode ser o início de uma tentativa de reconstrução do diálogo entre o governo Lula e o agronegócio. Para isso, será necessário que o Executivo demonstre, com ações concretas e frequentes, sua disposição de reconhecer a importância estratégica do setor para o país.
Investimentos em tecnologia agrícola, expansão do crédito, políticas de infraestrutura para escoamento da produção e defesa dos interesses comerciais do Brasil no exterior são algumas das pautas que precisam ser tratadas com prioridade, independentemente de divergências ideológicas.
Caso contrário, o governo corre o risco de alienar um dos motores mais dinâmicos da economia brasileira, com reflexos negativos não apenas no desempenho econômico, mas também no equilíbrio político do país, já que a bancada ruralista continuará sendo peça-chave no Congresso.
Encerramento
A presença isolada de Geraldo Alckmin na Agrishow foi mais do que um gesto diplomático: foi uma tentativa de manter uma linha de comunicação aberta entre o governo federal e um setor vital para a economia nacional. Em tempos de polarização e tensões políticas, a capacidade de construir pontes, como demonstrou Alckmin, é um ativo raro e necessário para que o país avance, mesmo em meio às diferenças ideológicas.