
Festa boa é quando não falta equilíbrio
Enquanto os 100 dias de governo são celebrados com balanços e discursos, Alagoinhas vai se organizando para o São João — com uma novidade que já rende polêmica: a tradicional festa junina será transferida da Avenida Joseph Wagner para o Estádio Carneirão. Um anúncio envolto em justificativas técnicas sobre espaço, segurança, modernidade e conforto, mas que levanta questões profundas sobre prioridades e equilíbrio na gestão pública.
Sim, é legítimo querer que o São João de Alagoinhas cresça, se destaque e se torne uma das grandes festas do interior da Bahia. Mas crescer a que custo? E, principalmente, com quais critérios de planejamento?
Transformar o Carneirão em praça de festa pública pode parecer uma ideia ousada e inovadora, mas também é um risco real à integridade de um espaço simbólico e funcional da cidade. O estádio é casa do futebol profissional, semente do futebol amador, sonho de jovens atletas e referência esportiva do município. Expor essa praça esportiva a uma movimentação descontrolada, por dias seguidos, com estrutura pesada de palco, barracas, bares e multidões, é flertar com o abandono futuro.
O Carneirão não está preparado para virar parque de eventos. É estádio. E precisa continuar sendo.
E há outra incoerência que salta aos olhos: como justificar um investimento milionário em estrutura de palco, iluminação, segurança e logística para um evento sazonal, enquanto a própria Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo se nega a repassar integralmente as emendas destinadas às Ligas Desportivas? Alega-se falta de recursos, ao mesmo tempo em que se planeja uma megaestrutura que ultrapassa a já tradicional montagem da Joseph Wagner. O discurso da contenção desaparece quando se trata de palco e sanfona.
Mais grave ainda é o critério de repasse das verbas. As Ligas, que sustentam o futebol amador da cidade, estão sofrendo um corte de 40% nas emendas, mesmo tendo seus recursos previstos na LOA 2025. Como explicar esse corte a quem organiza campeonatos em bairros e distritos, sem estrutura, dependendo de arbitragem, troféus, e premiações, além de toda organização em torno?
A cidade precisa se perguntar: é possível promover cultura sem aniquilar o esporte? Dá pra dançar forró sem desmanchar o gramado? E, acima de tudo, dá pra investir em grandes eventos sem deixar a base — o povo — à míngua?
O São João precisa acontecer, claro. É tradição, é economia, é identidade. Mas precisa vir com transparência, equilíbrio e respeito às demais expressões culturais e esportivas da cidade. A gestão pública não pode cair na tentação de usar a festa como anestesia. Há um povo que quer celebrar, sim — mas que também precisa de oportunidades, incentivos e respeito.
No mais, que o São João seja animado, que a cidade brilhe, e que o Carneirão não acabe como cenário de promessas esquecidas. Porque, entre o brilho do palco e a poeira do gramado, o que realmente fica na memória do povo é o cuidado — ou a falta dele.
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