
Os anúncios da Câmara de Vereadores de Alagoinhas, notadamente a mudança do horário das sessões e o avanço do projeto de TV digital, trazem à tona a discussão sobre a efetividade das medidas de transparência e o real desafio da participação cidadã. Embora as intenções sejam louváveis, é imperativo questionar se a simples alteração de um horário, por si só, é suficiente para mobilizar uma população que muitas vezes enfrenta barreiras mais complexas que a mera disponibilidade de agenda, como a desilusão política, a falta de familiaridade com os ritos legislativos e o distanciamento das pautas discutidas.
A proposta de deslocar as sessões para as manhãs, das 9h às 13h, pode, paradoxalmente, encontrar resistências. Para grande parte da população trabalhadora, o turno da manhã representa o ápice da jornada laboral, tornando o comparecimento presencial tão desafiador quanto em outros horários. A celebração de uma “ampliação do acesso” precisa ser acompanhada de uma análise sociológica mais profunda sobre os hábitos e as possibilidades reais do cidadão comum. Sem uma campanha educativa e de engajamento robusta, a mudança pode gerar apenas um rearranjo de quem já tem disponibilidade, sem necessariamente expandir a base de participantes.
Da mesma forma, a implantação da TV digital terrestre, embora represente um avanço tecnológico inegável, não garante por si só o aumento da participação popular ou da fiscalização cidadã. A qualidade do sinal é fundamental, mas o conteúdo veiculado e a forma como as pautas são apresentadas são igualmente cruciais. É preciso que os canais públicos se tornem plataformas de debate relevante, com linguagem acessível e foco nas questões de interesse público local, para que a maior conectividade se traduza em maior consciência cívica e engajamento efetivo, e não apenas em mais uma opção no dial.
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O Horário da Sessão: Acessibilidade Teórica vs. Prática Social
A alteração do horário das sessões legislativas para o período da manhã (9h às 13h) na Câmara de Vereadores de Alagoinhas, sob a justificativa de “ampliar o acesso à população”, merece uma análise mais aprofundada de sua viabilidade prática no contexto social da cidade. Teoricamente, o turno da manhã pode parecer mais acessível, fugindo dos horários de pico noturnos. No entanto, para uma parcela expressiva da força de trabalho – que inclui assalariados, comerciantes, profissionais autônomos e pais com crianças em idade escolar –, o período da manhã é justamente o de maior comprometimento com suas atividades laborais e familiares.
A questão central reside em quem, de fato, será beneficiado por essa mudança. É possível que aposentados, desempregados ou indivíduos com maior flexibilidade de horário encontrem nesse novo formato uma oportunidade. Contudo, sem a implementação de medidas complementares, como programas de incentivo à participação, debates itinerantes ou a garantia de transporte acessível, a alteração pode não atingir o objetivo de democratizar o acesso para o conjunto da sociedade. A simples mudança de um turno para outro, sem uma estratégia mais abrangente de engajamento, corre o risco de ser uma medida de efeito limitado, que transfere o problema de acessibilidade, em vez de resolvê-lo.
A afirmação do presidente Cleto da Banana de que a mudança de horário não aumentará as despesas da Casa Legislativa, pois o expediente se alinha ao horário administrativo, é um ponto que demanda fiscalização contínua. Embora a teoria sugira que um horário padrão evite horas extras ou custos adicionais, a realidade da gestão pública pode apresentar nuances. É fundamental que a Câmara mantenha a transparência em suas contas e demonstre, na prática, que a busca pela maior acessibilidade não comprometerá o orçamento público, consolidando a confiança da população na gestão dos recursos e nas justificativas apresentadas para as mudanças implementadas.
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A Conectividade Digital: Qualidade do Sinal vs. Qualidade do Conteúdo
O projeto “Alagoinhas Mais Conectada”, com a implantação da TV digital terrestre, é um passo louvável na modernização da infraestrutura de comunicação e na democratização do acesso a um sinal de maior qualidade. A parceria entre diversas esferas de governo e a Seja Digital demonstra um esforço concentrado para levar tecnologia à população. Contudo, é fundamental que a discussão transcenda a mera qualidade técnica do sinal e aborde a qualidade e a relevância do conteúdo que será veiculado por esses canais públicos. Um sinal de alta definição de canais com programação irrelevante para o dia a dia do cidadão pouco contribuirá para o engajamento cívico.
A promessa de “sinal gratuito de canais públicos com mais qualidade” implica uma responsabilidade significativa na curadoria e produção de conteúdo. Para que a TV digital se torne uma ferramenta efetiva de “Alagoinhas Mais Conectada”, é preciso que os canais públicos locais ofereçam uma programação que reflita as realidades, os desafios e as conquistas do município. Isso inclui a transmissão de sessões da Câmara de Vereadores com análises e contextualização, programas sobre serviços públicos, debates sobre políticas locais, e espaço para a voz da comunidade. A conectividade tecnológica deve ser acompanhada de uma conectividade temática e social.
A grande oportunidade que o projeto de TV digital oferece é a de transformar a televisão aberta em uma verdadeira plataforma de cidadania e de educação para a democracia. Para isso, é crucial que a Câmara Municipal, como parceira no projeto, atue proativamente para garantir que os canais públicos sirvam como um espaço de informação transparente e de estímulo ao debate. A qualidade do conteúdo, a relevância das pautas e a acessibilidade da linguagem são tão importantes quanto a nitidez da imagem e do som para que a conectividade digital se traduza em uma cidadania mais atuante e informada em Alagoinhas.
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