Em entrevista ao Roda Viva (TV Cultura) nesta segunda-feira (9), o governador Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) adotou tom cauteloso ao se referir ao regime militar (1964–1985), alinhando-se ao discurso do governador mineiro Romeu Zema (Novo-MG). Caiado afirmou que o período contou com “restrições por atos constitucionais” e sugeriu que as tensões da época justificariam uma abordagem menos dura A fala reacende debate sobre a responsabilidade dos governantes na preservação da memória coletiva.
As falas de Caiado e Zema
Caiado acompanhou Zema ao considerar a ditadura militar “uma questão de interpretação”, posicionando-se contra um diagnóstico objetivo do regime Questionado se o regime foi ditatorial, o governador não se comprometeu, destacando que houve “barbaridades” por meio do AI-5, AI-6, AI‑7 e AI‑8, sem explica-las detalhadamente.
Segundo ele, a ascensão dos militares em 1964 deve ser analisada sob a ótica da época, marcada pela grave crise institucional no governo de João Goulart, caracterizada como tentativa de estatização das terras e desordem pública
Zema, por sua vez, já havia afirmado que quem define se houve ditadura são historiadores, e mencionou a existência de “terroristas”. Essa postura foi duramente criticada por comissões de direitos humanos e por entidades como o Instituto Vladimir Herzog
Críticas e reação da sociedade
O posicionamento de ambos provocou reações imediatas de instrumentos de preservação da memória e defesa dos direitos humanos. A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos classificou o discurso como ignorante e ofensivo às vítimas, lembrando as atrocidades documentadas, como tortura e desaparecimentos
O Instituto Vladimir Herzog destacou que relativizar a memória sem a devida reflexão histórica representa desrespeito às gerações que sofreram prisões arbitrárias, tortura, assassinatos e censura, além de minar a educação sobre o tema .
Entidades ressaltaram que o debate histórico demandaria rigor e isenção moral, e não relativizações que misturam causas e consequências, arriscando resumir à distância uma grave violação aos direitos humanos reconhecida internacionalmente .
Ameaça à memória democrática
Adotar narrativas dúbias sobre o regime militar pode abrir espaço para revisionismos. Associação entre restrições legais e suposta necessidade de exceção dribla a realidade comum de censura, atropelo à legalidade e violência institucionalizada.
A diluição do que foi um regime autoritário com base em constituições de exceção arma o terreno para um discurso que relativiza abusos sistemáticos, enfraquecendo instrumentos de resguardo à democracia.
Em tempos de polarização, posicionamentos públicos que titubeiam perante a ditadura incentivam debates com fundamentos frágeis, prejudicam a consolidação de uma cultura de direitos humanos e podem influenciar o viés político dos pronunciamentos institucionais.
Quando governantes minam a clareza histórica, vacilam diante de sua responsabilidade com a memória. Chamar a ditadura de “interpretação” não é só revisionismo — é desatenção com a democracia que herdamos. O eleitor merece mais do que suavidades: merece clareza, coragem e compromisso com a verdade, para que a memória não se perca no jogo político do presente.