Picture of Hélio Liborio
Hélio Liborio

Pitaco

A Narrativa da “Traição” e a Realidade da Representação

Português

A discussão sobre a “traição” da base aliada na derrubada do aumento do IOF, veementemente negada pelo líder do governo no Congresso, revela mais sobre a expectativa do Executivo do que sobre a real dinâmica do Legislativo. Em um sistema democrático representativo, a atuação dos parlamentares não se resume a uma adesão incondicional às pautas governamentais. A ideia de que um voto divergente em matéria tributária constitui uma “traição” simplifica indevidamente a complexa teia de interesses, convicções e representatividades que moldam as decisões no Congresso.
É fundamental reconhecer que a função do parlamentar vai além de ser um mero endossador das propostas do governo. Ele é um representante de um eleitorado, de um estado, e de setores específicos da sociedade. Quando uma medida como o aumento do IOF, que tem impacto direto na “toda cadeia econômica”, é barrada, isso pode ser um reflexo genuíno de preocupações com os custos para a população e para as empresas, e não um ato de deslealdade pessoal ou política. Reduzir a ação legislativa a um dilema de “traição ou lealdade” empobrece o debate público e obscurece a natureza multifacetada do processo democrático.
A narrativa da “traição”, se perpetuada, pode minar a autonomia do Legislativo e inibir o debate robusto que é essencial para a qualidade das leis. É um risco para a democracia quando a discordância passa a ser percebida como sabotagem. O papel do governo, nesse contexto, deve ser o de construir pontes, negociar, e persuadir, reconhecendo que a aprovação de suas pautas é resultado de um processo complexo de convencimento e não de uma adesão automática. A declaração do líder do governo, ao refutar a “traição”, é um passo na direção correta para reabilitar o diálogo e reforçar que a diferença de opiniões é parte integrante, e saudável, da representação democrática.
________________________________________
O Futuro do Diálogo e a Busca pelo Equilíbrio Fiscal
A controvérsia em torno do IOF e a subsequente postura do líder do governo no Congresso apontam para a necessidade premente de o Executivo aprimorar suas estratégias de articulação política. Em um ambiente de constantes desafios fiscais e econômicos, a capacidade de o governo construir consensos e obter o apoio do Legislativo é crucial para a aprovação de reformas e medidas que garantam a sustentabilidade das contas públicas. A insistência em propostas que encontram forte resistência na base aliada, sem um diálogo prévio e aprofundado, tende a gerar desgastes desnecessários e a atrasar o avanço da agenda governamental.
A busca pelo equilíbrio fiscal é uma prioridade inegável para o país, e a arrecadação é uma peça fundamental nesse quebra-cabeça. No entanto, a escolha dos instrumentos tributários e a forma como são propostos ao Congresso e à sociedade são igualmente importantes. A lição extraída do episódio do IOF é que medidas de grande impacto econômico demandam um amplo debate e a construção de um entendimento mútuo entre os poderes, a fim de evitar impasses que paralisam a máquina pública e geram incerteza para o mercado e para os cidadãos.
O caminho à frente exige que o governo invista ainda mais na negociação política e no reconhecimento das prerrogativas do Congresso. A declaração de Randolfe Rodrigues, ao negar a “traição” e justificar a decisão pela proteção da cadeia econômica, pode ser vista como um aceno para que o Executivo e o Legislativo possam, juntos, encontrar soluções que conciliem a necessidade de recursos com a vitalidade da economia e o bem-estar social. A reconstrução da confiança e a fluidez do diálogo são essenciais para que o país possa avançar em suas pautas mais urgentes, transformando a crise em oportunidade de fortalecimento das instituições democráticas.

English