Audiência Pública em Alagoinhas Expõe Tensão Política e Inércia na Execução de Plano Ambiental

A Sessão Solene: um Palco para a Crise Política e Ambiental

A Audiência Pública realizada no dia 27, atendendo a um requerimento da vereadora Luma Menezes, foi concebida para ser um fórum de debates sobre a Lei N° 2.703/2023. No entanto, o encontro transcendeu seu propósito inicial, transformando-se em um palco onde as tensões políticas e as fragilidades da gestão pública foram expostas. A presença de um leque de atores — vereadores, representantes do Ministério Público, Defesa Civil, instituições de ensino e a sociedade civil — conferiu ao evento uma relevância que ia muito além do tema ambiental. A convocação de um debate público sobre uma lei já aprovada, mas não implementada, é, em si, um ato de cobrança política, um mecanismo do poder legislativo para provocar a ação do executivo.

A abertura da sessão, conduzida pelo presidente interino da Câmara, vereador Caio Ramos, já sinalizou a gravidade do momento. Seu discurso não foi protocolar; foi um lamento pela perda da identidade de uma cidade outrora conhecida por suas águas, cujas lagoas se tornaram “invisíveis pela negligência ambiental”. Essa fala ressoou como uma metáfora para a própria gestão: uma cidade que se define pela riqueza natural, mas que falha em protegê-la. A narrativa do vereador, que conecta a identidade da cidade ao seu ecossistema, elevou o debate do nível técnico para o da urgência cultural e social, mostrando que a pauta ambiental está no cerne da própria existência do município.

Ainda na mesa, a vereadora Luma Menezes, idealizadora da audiência, trouxe à tona a questão da justiça climática. Ela destacou que, embora Alagoinhas possa não ter a mesma propensão a desastres como outras regiões, os alagamentos que atingem as comunidades mais pobres e periféricas são, sim, desastres ambientais. Essa perspectiva social da pauta climática, pouco explorada em debates convencionais, demonstrou uma compreensão aprofundada das desigualdades que as mudanças do clima aprofundam, colocando o ser humano no centro da discussão. O questionamento dela sobre a preparação do município para esses eventos, somado ao fato de que a lei de sua autoria, que prevê tal preparação, não foi executada, ecoou como uma crítica direta à gestão municipal.


A Lei no Papel: a Luta pela Efetivação das Políticas Públicas

O ponto central da audiência foi a exposição da inércia da Prefeitura em dar prosseguimento ao Plano Municipal de Diretrizes para o Enfrentamento das Mudanças Climáticas. A lei, aprovada em 2023, deveria ser o alicerce de ações concretas para mitigar os efeitos climáticos na cidade, com foco em segurança hídrica, energética e alimentar. No entanto, como Luma Menezes salientou em sua fala e em entrevistas subsequentes, o plano sequer “saiu do papel”. A Lei, que deveria ser um instrumento de planejamento, tornou-se um símbolo de descumprimento, gerando um impasse que o legislativo tenta contornar pela pressão pública e institucional.

O secretário Djalma Santos, embora tenha se mostrado preocupado com a baixa arborização da cidade, não apresentou nenhum projeto, gráfico ou ação afirmativa que demonstrasse um planejamento consistente por parte do executivo. Sua fala se limitou a mencionar uma pesquisa do IBGE e a citar o investimento de metade dos valores de multas em plantio de árvores, o que, para uma cidade que enfrenta desafios tão complexos, soou como uma medida paliativa diante da gravidade do cenário. A ausência de um plano claro e de dados concretos para a audiência, somada à exposição de que a lei que prevê esse planejamento está parada, denota uma falta de prioridade e de vontade política por parte da gestão.

A inércia da prefeitura em dar efetividade à lei é um problema recorrente na política e foi pontuado pelo vereador de Salvador, André Fraga. Ele afirmou que, embora a situação seja comum no processo político, o trabalho do legislador não termina na aprovação da lei, mas continua na luta por sua efetivação. A audiência, neste sentido, é a materialização dessa luta, um esforço para trazer a pauta de volta à mesa de discussões e para acionar outros atores, como o Ministério Público e a sociedade civil, na busca pela execução. A situação, portanto, não é apenas um problema ambiental, mas um indicativo de uma falha grave na governança, onde o poder executivo ignora as diretrizes estabelecidas pelo poder legislativo.


A Tragédia das Águas e o Paradoxo de Alagoinhas

Alagoinhas é mundialmente reconhecida por suas águas subterrâneas de alta qualidade, um ativo que a tornou um polo cervejeiro. No entanto, o debate na audiência pública expôs um paradoxo: a “terra da cerveja” vive um cenário de profunda degradação de seus corpos d’água superficiais. O secretário Djalma Santos lamentou a ausência das águas na paisagem urbana, uma contradição que contrasta com a realidade de outras cidades, como o sul da Bahia, que exibem suas riquezas naturais (o cacau) de forma visível e integrada à sua identidade. O problema, como apontado pelo secretário, vai além do visual e se manifesta na poluição de rios e lagoas, afetando a qualidade de vida e a saúde do ecossistema local.

A falta de um plano municipal efetivo para lidar com as mudanças climáticas e a degradação ambiental é duplamente perigosa para uma cidade que se sustenta na qualidade de seus recursos hídricos. A inércia em proteger as águas superficiais pode, a longo prazo, ter um impacto direto na qualidade do aquífero, o bem mais valioso da cidade. A dependência da indústria cervejeira e da agricultura, que são diretamente afetadas por questões hídricas e climáticas, demonstra que a falta de políticas públicas preventivas não é apenas um problema ambiental, mas uma ameaça direta à economia local. A preservação do meio ambiente, como bem argumentou o vereador André Fraga, não é um obstáculo para o desenvolvimento, mas sim uma condição essencial para ele.

Apesar da falta de projetos concretos por parte da gestão, o secretário Djalma mencionou um potencial de parceria para a recuperação do Rio Subaúma e do Rio Catu, envolvendo grandes empresas e instituições como Bracell, Ferbasa, Embasa e o Ministério Público. Embora a notícia soe promissora, a ausência de detalhes, cronogramas e orçamentos na apresentação levanta questionamentos sobre a real intencionalidade dessas propostas. O anúncio, neste contexto de cobrança, pode ser interpretado como um gesto de boa vontade, mas que, sem ações afirmativas, corre o risco de se perder no limbo da burocracia, assim como a própria lei que motivou a audiência.