
Em recente manifestação no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da Justiça, Flávio Dino, foi ovacionado por sua contundente fala sobre a necessidade de endurecer o combate ao crime organizado. Aplausos à parte, seu discurso trouxe à tona uma ferida mal cicatrizada: a associação direta entre favela e tráfico, como se o fenômeno criminoso se limitasse à geografia da pobreza.
É preciso dizer: a fala do ministro, ainda que bem-intencionada na defesa da rigidez penal contra organizações criminosas, corre o risco de resvalar num reducionismo perigoso. A favela, lugar de vida, de cultura, de resistência, segue sendo estigmatizada como fábrica do crime, enquanto os reais chefes do tráfico – engravatados, blindados e sorridentes – continuam fora do radar da retórica oficial.
É evidente que o crime organizado se manifesta nos territórios periféricos, mas seria ingenuidade – ou conveniência política – ignorar que as decisões estratégicas do narcotráfico se dão em salas com ar-condicionado, muitas vezes entrelaçadas a estruturas empresariais e, não raramente, com o silêncio cúmplice de setores do poder.
O pitaco aqui é direto: o ministro fez bem ao defender a rigidez da lei, mas peca quando aceita que a narrativa majoritária continue focada nas favelas como epicentro da maldade. O tráfico não tem apenas um rosto, nem uma origem social. Quem conhece as tramas do Brasil real sabe que o buraco é mais embaixo – e mais acima na pirâmide social.
Que o combate ao crime organizado seja firme, mas que também seja justo. Que não continue caindo sobre os ombros dos mais pobres o peso de um sistema que muitas vezes se alimenta da própria desigualdade que diz combater.
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